terça-feira, 24 de dezembro de 2013

CANÇÕES PARA O NATAL III: Alexis Weissenberg toca "Jesus, Alegria dos Homens" (BWV 147) de Johann Sebastian Bach



  
Que Bach seja o maior dos compositores eruditos, o "oceano" apontado por Beethoven, parece indiscutível. Sua importância na música vai da teoria musical (com a criação, por exemplo, das escalas bachianas) à extensão de sua obra - prolífica e absurdamente genial. Outro aspecto que chama a atenção no compositor alemão é sua popularidade. De fato, as composições barrocas soam "fáceis" aos ouvidos humanos quando a partitura é assinada por Bach. Numa palavra: é fácil gostar da sua música.

Talvez isso explique a posição de destaque que "Jesus, Alegria dos Homens" ocupa num repertório tipicamente natalino. Tem-se uma melodia de fácil assimilação pelo ouvinte - até pela sua beleza iniludível. Mesmo não tendo sido originalmente composta para a celebração do Natal, é comum ouvi-la no período que antecede o dia 25 de dezembro.   

De início, cabe esclarecer que a melodia que se ouve em "Jesus, Alegria dos Homens" corresponde, na verdade, aos movimentos nº 6 e nº 10 da cantata Herz und Mund und Tat und Leben (BWV 147). Os musicólogos apontam que a composição iniciou-se em 1716, mas foi posteriormente expandida em 1723, data coincidente com sua primeira apresentação na Fest Mariä Heimsuchung em Leipzig.   

Posto que a melodia seja a mesma, os movimentos da cantata, nos quais "Jesus, Alegria dos Homens" assoma, diferenciam-se pela letra. Assim, no movimento nº 6 (Wohl mir, daß ich Jesum habe), o coral põe-se a cantar os versos seguintes:

Wohl mir, daß ich Jesum habe,

o wie feste halt' ich ihn,

daß er mir mein Herze labe,

wenn ich krank und traurig bin.

Jesum hab' ich, der mich liebet

und sich mir zu eigen giebet,

ach drum laß' ich Jesum nicht,

wenn mir gleich mein Herze bricht.

Já no movimento nº 10 (Jesus, bleibt meine Freunde) o coral canta outros versos. Ei-los:

Jesus bleibet meine Freude,

meines Herzens Trost und Saft,

Jesus wehret allem Leide,

er ist meines Lebens Kraft,

meiner Augen Lust und Sonne,

meiner Seele Schatz und Wonne;

darum laß' ich Jesum nicht

aus dem Herzen und Gesicht.

Em ambas as estrofes, contudo, destaca-se o tom laudatório do eu lírico, o qual externa a alegria do devoto em sua relação com Jesus - o filho de Deus.

Curiosamente, o título em português ("Jesus, Alegria dos Homens") aparenta ser tradução originada da versão em inglês ("Jesu, Joy of Man's Desiring"), já que o título original corresponderia a algo como "Jesus continua sendo minha alegria" (em alemão: "Jesus bleibt meine Freude").    

Ostentando a qualidade de uma das mais famosas melodias de Bach, é natural que "Jesus, Alegria dos Homens" exista sob os mais variados arranjos, tocados nos mais variegados instrumentos. Entretanto, penso que o leitor que ambiciona ter uma compreensão aprofundada da obra bachiana deve dedicar-se, ao menos inicialmente, à audição integral da cantata  Herz und Mund und Tat und Leben. Assim, ter-se-á uma visão de conjunto da melodia (como ela se insere na harmonia barroca, p. ex.), a demarcar bem o papel do coral.

Nesse sentido, entre as versões integrais da cantata disponíveis no sítio do Youtube, a que mais gosto é a da Orquestra Barroca de Amsterdã, sob a regência do maestro holandês Ton Koopman.


Para quem quer ouvir uma versão orquestrada da melodia, sem a participação do coral, temos a execução da Orquestra Filarmônica Real Britânica, sob a regência do maestro inglês Nicholas Cleobury, com destaque para a participação de Julian Lloyd Webber, um dos grandes violoncelistas em atividade no mundo.  


No campo do violão erudito, a buscar uma interpretação satisfatória de "Jesus, Alegria dos Homens", eu certamente destacaria a transcrição feita pelo escocês David Russell - um dos maiores virtuoses do violão mundial.  


Também gosto da interpretação do violonista alemão Horst Klee.


No entanto, na seara do violão erudito, penso que a interpretação definitiva de "Jesus, Alegria dos Homens" coube ao violonista estadunidense Christopher Parkening. Que perfeição técnica!


Por outro lado, em se tratando de duo violonístico, gosto muito do arranjo feito pelo violonista alemão Thomas Königs. No vídeo abaixo, Kathrin Meyer e Hanna Lamprecht, alunas de Königs na classe de violão erudito da Escola de Música de Nuremberg (Alemanha), tocam a peça.


Dado o seu caráter extremamente popular, "Jesus, Alegria dos Homens" é uma "canção" que já foi objeto de incontáveis versões fora do rígido mundo da música erudita. Uma das mais inusuais é a da cantora norueguesa Sissel Kyrkjebo, que interpreta a melodia quase como se buscasse solfejá-la paralelamente ao som dos instrumentos de cordas.


Fora do violão erudito, mas ainda dentro do campo violonístico, eu destacaria o lindo arranjo, com alguns improvisos sobre a melodia, feito pelo violonista estadunidense David Qualey. 


Outro belo arranjo é o do violonista inglês Laurence Juber.


No violão de 12 cordas, a versão de Leo Kottke é notável. 


Para quem busca uma versão com mais suingue no ritmo do violão, a abeberar-se mesmo nas raízes flamencas, temos esta curiosa versão do violonista estadunidense Esteban, que toca acompanhado da violinista Teresa Joy.


O guitarrista Steve Morse, famoso por seu trabalho no rock progressivo em bandas como Dixie Dregs, Deep Purple e Flying Colors, também já apresentou sua própria versão de "Jesus, Alegria dos Homens".    


Entre os brasileiros, impossível não citar o grande Baden Powell, um dos maiores músicos que a MPB conheceu no século XX. Mesmo não sendo um violonista erudito, na acepção tradicional da expressão, a técnica que emprega na sua interpretação de "Jesus, Alegria dos Homens" é impecável. 


A lista está longa, é verdade. Mas isso se deve, caro leitor, ao fato de que "Jesus, Alegria dos Homens" é uma das minhas composições favoritas. Sendo assim, encerrarei esta série de versões novamente no mundo da música erudita.

Nesse ponto, hei de destacar especificamente o quão bela se torna "Jesus, Alegria dos Homens" em arranjo para o piano. Entre as transcrições disponíveis, a mais famosa pertence à pianista britânica Myra Hess, que é exatamente a que Alexis Weissenberg, o carismático pianista búlgaro, está a executar no vídeo abaixo. Repare o leitor na característica que celebrizou Weissenberg: a agressividade trovejante no baixo, opção do músico para notabilizar a emoção. E que emoção ele arranca de "Jesus, Alegria dos Homens"!     

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