sexta-feira, 31 de janeiro de 2014

15 filmes que são diamantes para o cérebro



 
Recentemente, o jornalista Euler de França Belém, ao elaborar uma lista com sugestões de livros para o Natal, defendeu a tese de que bons livros são, na verdade, “diamantes para o cérebro”. Acredito que essa premissa — com a qual concordo inteiramente — possa ser estendida também para o cinema. Talvez com muito mais razão para o cinema, forma de expressão que, posto que goze de amplo apelo popular, tem perdido progressivamente a pretensão do “fazer artístico”, a privilegiar-se a lógica da produção em escala industrial de blockbusters. Com isso, cada vez mais temos cinéfilos autodeclarados que desprezam a leitura da Pauline Kael (às vezes, nunca ouviram falar dela), mas não hesitam em cultuar bobagens infantis. O resultado é o declínio da inteligência do público que, perdido no meio de tantas referências esparsas, ou simplesmente influenciado por críticos de cinema de pouca credibilidade intelectual, passa a absolver a pobreza narrativa fílmica, entretido com efeitos especiais mirabolantes, muitos dos quais a causar uma sutil, porém agressiva, paralisia cerebral.
Essa introdução serve para justificar a presente lista. Trata-se de uma tentativa de orientar o leitor da Bula — por certo, alguém que preza pelo que há de mais refinado no campo da cultura — no mar de referências cinematográficas. Como sói acontecer, a lista é estritamente pessoal: ela elenca obras que agradam ao meu gosto estético na arte cinematográfica. Basta pensar que, tivesse outro autor assinado a lista, as referências decerto mudariam (talvez ele viesse a público afirmar que “Curtindo a Vida Adoidado”, do diretor John Hughes, é superior aos filmes do Godard, opinião que eu nunca endossaria). A lista também é limitada: são apenas 15 filmes, o que incontornavelmente deixará de fora muitas obras relevantes (inclusive procurei misturar obras canônicas, sempre referidas, a outras mais atuais, como sugestões incomuns ao leitor da Bula). O que importa é que são quinze bons filmes que, da mesma maneira que os bons livros, podem muito bem servir como generosos diamantes para o cérebro.
A lista de filmes que indico está disponível no link abaixo:

sábado, 18 de janeiro de 2014

Só você violão compreende porque perdi toda minha alegria


Este conto foi inspirado na canção "Cordas de Aço" de Cartola.

Toda vez que me sinto sozinho eu pego o meu violão. Aproximo-me do seu corpo e consolo-me nas horas da agonia. Não penso em família, em Deus, em nada... Porque eles não me confortam, busco o violão. O leito onde adormeço é a música.

Apenas quero conversar com alguém que me compreenda. O violão não me julga; apenas me ouve. Toco uma nota e ouço um sussurro. Toco outra nota e ouço uma grita. Toco seguidamente várias notas e aquela vozearia acalma meu espírito. É como se eu estivesse a pisar na areia quente com os pés descalços e, subitamente, colocasse-os em sapatos macios.

           No entanto, apresso a escala da música. Dedilho rápido e o instrumento recusa-se a acompanhar-me. Procuro debalde uma vingança que o violão não pode me dar. Ele me pede calma, exige que minhas mãos o toquem com lentidão. Há beleza na música que quer fazer-se entender a cada sílaba, a cada bemol e sustenido. É o que o violão está a dizer-me. Consinto com um aceno de cabeça e o pausar das mãos.

Como um infante ingênuo, acaricio o braço minúsculo do violão. Eu poderia ser um soldado a engatilhar o revólver de um tambor sem balas. No pelotão, travaria corajosamente uma guerra sangrenta e vazia. Mas o violão não é uma arma. Ele estende sua mão delicada às cordas que eu me ponho a dedilhar, cuidando para o som não derrapar nos trastos. Eis a placidez! Eis a melodia da compreensão!

Agora sou um barqueiro mouro a deslizar por águas tranquilas. Vou fundeando a trilha sonora com os pés. Não temo pisar em cima da poita. As ondas espraiam os destroços duma partitura que hesito em ler. Sou como um analfabeto diante de sinais ininteligíveis. Não vejo senão figurinhas engraçadas, distribuídas em compassos, com notações num pentagrama repleto de expressões italianas. Amaldiçoo o rittornello que teimo em não obedecer.

Mas a voz que vem do som do violão chega até mim qual o aviso dum pai sábio que fala ao filho imaturo: a ira é inimiga da arte. A vingança não cabe aqui. E aí me concentro naquela força, deixo-me levar por aquela voragem musical, bêbado pelos sons que me cercam. Sou um melodista aprisionado que despreza a fuga. A partitura, que era escura e incompreensível, ei-la fácil e risonha.

Vou-me embora naquele barco, que ora navego com a garra dum timoneiro destemido. A música flui naquelas águas por onde deslizo meu barco suavemente... tranquilamente... carinhosamente...

Deparo com a arrebentação. Um tremor sacode o timão que se me escapa. Um leme selvagem cresce sobre mim. A força daquelas ondas é fatal como a lembrança que me põe subitamente distante duma bandeira de paz, que não vejo ser erguida no mastro do arrependimento. Foi a lembrança dela que me fez tomar aquele banho de água fria no esboroamento da onda. Sim, agora eu entendo porque estou a cuspir o sal do mar que tenta afogar-me: sinto falta daquela mulher. Será que ela me espera do outro lado desta longa travessia? Teriam estes rochedos força para nos separar? Que fortaleza geográfica é aquela que nos afasta?

Estava sozinho e desamparado. Por isso procurei o violão, este meu conselheiro. Ouvir a voz da música, solfejar aquelas notas, acariciar as cordas de aço que atravessam o seu bojo perfeito. Amar a música é o único conselho que me dá o violão. Sempre o mesmo conselho, sempre. Por que continuo a procurar abraços naquele braço miúdo?

Só então percebo o que o violão me ensina. Eis a lição de quem deve amar a música. Amar a música como devo amar a mulher de quem sinto tanta falta, cuja ausência me faz sentir tão sozinho. E o amor vai dedilhar as cordas de aço, soltar delicadamente o som daquela madeira, preparar uma canção.

Aí saberei que não perdi o amor dela, que ela me espera do outro lado do remanso, para onde fluem as águas que guiam este timoneiro solitário, para onde ruma o barco de um coração à deriva. E o violão, que trago junto ao meu peito, vou dedilhando. Já não me sinto sozinho. Ora adivinho: ela me espera!

Na madrugada, canto uma canção.