No último dia 27 de novembro, meu primo,
Vinícius, que é violonista erudito e professor de violão, fez aniversário. O
primo Vinny, como é conhecido na família, não é dado a festejos
grandiloquentes, preferindo a companhia reservada
de sua família e do seu violão. Apesar disso, decidi prestar minha homenagem ao
seu aniversário aqui no meu blogue dedicado ao jornalismo cultural, em face,
sobretudo, da importância vital que nossa amizade teve (e ainda tem) na minha
vida.
Tudo começa com nossas biografias. São muito
semelhantes. Ele, como eu, sempre teve um pendor para a arte erudita, e
precisou, também como eu, aprender muito jovem a acreditar acima de tudo nas
coisas que ama. Esse amor incondicional pela arte erudita foi nosso baluarte de resiliência, nossa única defesa, aprendida de maneira empírica, contra as “trevas
do LIXO cultural” a que é tipicamente submetido um adolescente no Brasil, cujos
ouvidos se põem a sangrar, vitimados pelo pagode, axé, forró elétrico, funk
carioca, sertanejo universitário, rock colorido e toda sorte de picaretagens musicais que empresários inescrupulosos da indústria fonográfica produzem no País para o consumo de jovens imbecis, pessoas de baixíssimo nível cultural e analfabetos em música.
Como eu, Vinícius também passou sua
adolescência a estudar intensamente música erudita. Enquanto nossos pares de
juventude iam praticar rituais tribais de “pegação neandertal” em micaretas de axé music ou se punham fantasiados em festas de Carnaval (que sempre detestamos), ao som de músicas que ora enalteciam as nádegas
como o bem supremo de uma mulher (que visão machista ridícula!), ora hasteavam a bandeira duma ideologia hedonista medíocre da vida (carpe diem do lixo e da autofagia de cérebros), nós estudávamos
oito horas por dia de violão e líamos compulsivamente toda sorte de livros e partituras
que catávamos na biblioteca do conservatório. Depois, no nosso tempo livre, íamos a concertos,
para ver as grandes orquestras e os mestres da música em ação, para saber qual o estágio do
domínio técnico a que poderíamos um dia chegar. E quando estávamos apaixonados
por alguma garota, aí exercitávamos nosso romantismo a ouvir as serenatas que
Dilermando Reis gravou em parceria com o cantor Francisco Petrônio. Como se vê,
o que fazíamos, cada qual à sua maneira, era absolutamente impensável para a quase totalidade das pessoas
da nossa idade. Mas essa foi a nossa história de vida. Acima de tudo uma história de resistência, de saber quem se é desde muito cedo e acreditar naquilo. Quantos jovens, como nós, não se perderam no meio do caminho? Quantos não cederam aos impulsos vulgares medíocres? Quantos simplesmente se venderam e juntaram-se aos filões de pseudoartistas da estrumeira que monopoliza o espaço da televisão no Brasil?
Vinícius, desse modo, foi sempre um apoio permanente nessa luta contra o kitsch
e um exemplo para mim. Um irmão de fé, necessário, imprescindível, uma das poucas pessoas
com quem eu podia conversar sobre tudo que eu sempre amei (filosofia, poesia,
literatura, artes plásticas e, claro, música) sem o temor de experimentar a
terrível sensação de “vergonha alheia” que acomete todo aquele que gosta de
arte e tem de ouvir de seus pares afirmações patéticas como “Ivete Sangalo é
grande cantora” ou que “Luan Santana e Gusttavo Lima cantam bem” ou que “Michel
Teló é um poeta” e as bandas de pagode dor-de-corno “deixaram saudade”. Sem
dúvida, não foi fácil sobreviver fiel à arte erudita em meio ao assédio
despropositado e prenhe de estultice de uma geração inteira de imbecis.
Mas sobrevivemos. Sobrevivemos aos nossos pares, ao destino trágico de toda nossa geração, nascida sob o signo da espada injusta que condena - impiedosa e crudelíssima - o néscio ao lixo da cultura. E hoje estamos aqui. Eu segui para a carreira jurídica. Ele se profissionalizou na música e hoje leciona e dá concertos com seu violão. Não obstante, a música continua a nos unir. Somos utentes incontrastáveis da nossa fé na arte.
Por isso que, retomando a seção “Músicas que
eu recomendo” no blogue Metamorfose do Mal, gostaria de indicar a gravação da “Fantasia
nº 7”, do alaudista inglês John Dowland, que Vinícius fez em seu domicílio. Esse
registro é-me especialmente significativo, pois Vinícius gravou-o a meu pedido,
já que a música renascentista, tal qual a barroca, sempre foi a maior das
minhas paixões (Sir. John Langton's Pavan é a trilha sonora da minha vida!). E Dowland foi o maior gênio musical do Renascentismo na
história da humanidade.
Parabém, primo Vinícius! Obrigado por todos
esses anos de amizade!
E um dia ainda formaremos o nosso duo de
violão erudito! Quem viver verá!
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