domingo, 30 de novembro de 2014

POR QUE ESTUDAR MÚSICA?: crítica sobre a interpretação desastrosa da "Fantasia VII" de John Dowland pela violonista Alberta Khoury


Certa vez um colega de classe, indolente e rebelando-se, perguntou à minha professora de teoria musical no conservatório: "Qual a finalidade de se estudar disciplinas como estética e história da música?" A professora respondeu em tom resoluto: "Para que o músico possa atingir o grau de educação exigido pela arte feita com qualidade, que lhe permitirá inclusive diferenciar a 'interpretação' da mera 'execução'". Aquela resposta permaneceu durante muitos anos na minha cabeça. E, posto que nunca tenha me insurgido contra o estudo dessas disciplinas formativas (antes o contrário, sempre amei estética e história da música!), foi preciso alguns anos para que eu pudesse amadurecer aquela ensinança.
Pois bem. Hoje, um amigo músico de longa data enviou-me um vídeo no qual uma violonista estrangeira (seu nome é Alberta Khoury) toca uma das minhas peças renascentistas favoritas: "Fantasia VII", do alaudista inglês John Dowland. Ao assistir ao vídeo, de chofre, lembrei da discussão em classe. Percebi que, agora, ela fez todo o sentido para mim.
A musicista tem talento. Disso não resta dúvida. Mas é como um diamante bruto que, devido a uma formação musical capenga, põe-se a executar uma peça do Renascentismo inglês sem absolutamente nenhuma consciência do período histórico da música para o qual se volta. O resultado é um amontoado de notas incompreensíveis, cuja expressão musical é duma ligeireza praticamente inaudível.
         A
o vê-la tocar, um leigo poderia deixar-se impressionar facilmente com sua velocidade. Afinal, a celeridade mecânica nas manipulação de escalas, quase como uma corrida olímpica com os dedos, tem o efeito correntio de assombrar o não iniciado no estudo da música (Nossa! Tu viste como ele toca rápido! É um gênio!). Mas qualquer pessoa com um mínimo de educação musical sabe que a velocidade só faz sentido quando à serviço da expressão musical; fora disso, é reles pirotécnica para "ouvidos destreinados".
É o que ocorre nesta execução de Dowland por Alberta Khoury. Estamos diante duma abordagem desastrosa, verdadeiro desrespeito aos padrões estético e histórico da música erudita renascentista. Pelas mãos dessa violonista, a peça de Dowland não está a ser interpretada; antes o contrário, é apequenada, convertida num exercício maquinal e mecânico de escalas no braço do instrumento. Sobra destreza na manudução da partitura; falta, porém, o essencial: interpretação, expressão artística da linguagem musical do período elisabetano. Uma lástima, principalmente para aqueles que, como eu, veem em John Dowland um dos seus compositores favoritos.   
Portanto, fica a lição para os jovens aspirantes a fazer arte pela música: não se limitem ao estudo da partitura. Estudem também as disciplinas humanísticas. São elas que, ao fim e ao cabo, fazem do músico erudito um tipo raro de artista, alguém que não se limita a ser mero executor mecânico de figuras musicais no pentagrama, alguém que se pode identificar como um artista completo, profundo conhecedor do seu ofício nos campos mais variegados do conhecimento artístico.
           Abaixo, reproduzo a execução (e não interpretação!) desastrosa da violonista.

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