segunda-feira, 25 de maio de 2015

Manifesto contra a covardia relativista de individualidades depauperadas pelo prazer meio-animal


Esta semana publiquei um brevíssimo texto no meu perfil no Facebook, a apontar um notório (e abissal) desnível de intelecto entre o ouvinte que encontra prazer na ouvida de gêneros popularescos, como o "funk" (rectius: batidão) carioca, e aquele cujo espírito altaneiro só alegra com a música erudita. Ao fazê-lo, ainda que de maneira elegante, é habitual aparecerem alguns utentes da rede social para agredir-me com palavras de baixo calão. Na verdade, essa circunstância desagradável tem-se tornado cada vez mais frequente pari passu à repercussão dos meus ensaios de crítica de arte. Especialmente quando meus escritos vem a lume na Revista Bula de jornalismo cultural (até porque o meu blogue dedicado à cultura erudita, o Metamorfose do Mal, ninguém lê mesmo), observo acentuar-se essa tendência infamante. E até no meu local de trabalho já tomei partido da existência de pessoas que me odeiam em segredo, incomodados com o teor irônico dos meus escritos sobre arte.  

Tais "ofensores de Facebook" quase nunca são meus amigos virtuais. Nas poucas vezes em que o foram, eu os excluí sumariamente, até porque nunca fiz questão de ter amizade com quem adota a baixaria como postura de vida e a injúria como ferramenta para encobrir sua incapacidade de argumentar, embora eu saiba que a baixeza, sob a forma do "veneno digital", converteu-se na tônica das discussões arquitetadas nas redes sociais. Por essa razão, presumo que são "amigos de amigos", isto é, pessoas que - só por muita falta do que fazer na vida - vêm à minha página pessoal destilar seu ódio contra mim. 

Esses utentes de Facebook desrespeitosos têm uma característica em comum: são adeptos do relativismo cultural. Segundo pensam, qualquer porcaria que se faça tem valor artístico. Para eles, a coreografia sexualizada que acompanha uma música de axé tem o mesmo valor artístico que um balé de Tchaikovsky. Para eles, Carlinhos Brown cantando "A namorada tem namorada, eta!" equivale artisticamente a Beethoven musicando um poema de  Friedrich Schiller no movimento derradeiro da Nona Sinfonia. Para eles, Miguel Falabella é um dramaturgo tão importante quanto Augusto Boal, Maitê Proença escreve tão bem quanto Graciliano Ramos e Caio Castro atua no mesmo nível de Paulo Autran. No mundo em que vivem, a crítica de arte não tem nenhum papel a desempenhar. Afinal, qualquer lixo que se faça tem valor artístico. Não há necessidade de problematizar, logo, vale tudo.

Mas meu problema com os relativistas não é sua visão medíocre da arte (e, por extensão, da própria vida). Meu problema é que são covardes. Nunca publicaram nada, nunca produziram nada do ponto de vista intelectual. Sua "obra" limita-se a ofender os outros no Facebook - e, o que é pior, gratuitamente. Como não dispõem de uma formação intelectual sólida o bastante para protagonizar o debate intelectual, então agem como crianças mimadas incapazes de ouvir opiniões divergentes e partem logo para a ofensa. Por que não se portam como pessoas realmente inteligentes e passam a expor suas ideias? Por que não criam um blogue e publicam a apologia do artista que tanto admiram? Por que não se colocam corajosamente na trincheira do debate intelectual brasileiro, submetendo à prova seus pontos de vista? Penso que seria um emprego de tempo bem mais útil do que vir agredir-me em uma rede social qualquer.

Dessa maneira, aos relativistas de plantão no Facebook, quero deixar-lhes um testamento "erga omnes". Meu amigo (ou minha amiga, tanto faz), se você é incapaz de ver diferença de valor estético entre a música feita pelo Mr. Catra e a música feita por Ludwig van Beethoven, se você gosta de "balançar as nádegas até o chão" no funk e acha que isso é tão digno, divertido e "artístico" quanto o modo com que Jascha Heifetz tocava seu violino, então você é um ser humano de individualidade limitada e se enquadra perfeitamente no que o filósofo Arthur Schopenhauer​ escreveu no seu livro "Aforismos para a sabedoria de vida": “Ninguém é capaz de ir além de sua própria individualidade. Um animal, quaisquer sejam as circunstâncias às quais esteja submetido, permanece confinado a um pequeno círculo irrevogavelmente determinado pela natureza, de tal forma que, por exemplo, nossos esforços para agradar um animal de estimação devem sempre se manter dentro dessas fronteiras exatamente devido aos limites de sua verdadeira natureza, restritos ao que esse pode sentir. Acontece o mesmo com o homem; a medida de sua felicidade possível é determinada de antemão por sua individualidade. Particularmente, os limites de seus poderes mentais fixaram em definitivo sua capacidade para prazeres de natureza mais elevada. Se tais poderes forem pequenos, nenhum esforço exterior, nada que seus companheiros ou que seu destino fizer será suficiente para elevá-lo além do grau habitual de felicidade humana e prazer meio-animais. O que lhe resta são os prazeres dos sentidos, uma confortável e alegre vida familiar, má companhia e passatempos vulgares.”     

Um ser humano dono de uma individualidade pobre só pode mesmo contentar-se com passatempos vulgares e andar ao lado de más companhias (isto é, admirar artistas de talento reduzido). Pois vulgar é a sua natureza; e ele não pode ir além de sua própria individualidade. A mediocridade é o seu locus por excelência. Nem para eleger seus ídolos ele dispõe de qualquer ambição. Nenhum esforço exterior, por mais forte que seja, pode retirá-lo da vala comum em que chafurda na lama prenhe de dejetos do prazer meio-animal. Seu intelecto limitado e sua sensibilidade restrita constituem a sua condenação. Sua pena é jamais enxergar o belo para além das asperezas da superficialidade mundana. Sua prisão perpétua é não ter a condição humana necessária para experimentar os prazeres de natureza mais elevada que só a arte invulgar pode proporcionar.       

2 comentários:

  1. Não deixe de escrever e de publicar. Esse post (das individualidades depauperadas) da o exato tom da necessidade de pessoas como vc. Ainda q em número sejamos menores (os teus leitores e admiradores), acredito que vale a pena (até porque perdemos bem menos tempo com mídias sociais do que os que os medíocres - pra nao dizer pior). Este post está particularmente genial. Muitas vezes dizer o óbvio, dependendo de como se diz, é genial. Esse post bem demonstra isso (que nem só o inédito eh genial; captar o óbvio tbm e). Grde abraco

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    1. Obrigado pelo comentário. Não fazia ideia que eu tivesse admiradores (risos). Sempre que me ponho a escrever no blogue "Metamorfose do Mal" - o que nem sempre é fácil, em face da minha apertada agenda profissional, a subtrair-me infelizmente o tempo da escrita - tenho a impressão de que estou a falar para as paredes (risos). Portanto, comentários elogiosos como o teu dão-me a certeza de que, não obstante todas as dificuldades, vale a pena continuar a escrever neste humilde espaço de divulgação das minhas ideias. Recebo, portanto, com muita satisfação o teu elogio e incentivo. Contar com o apoio dos leitores, ainda que em número reduzido, é importante para mim. Muito obrigado.

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