Porque na entrada para a Ciência, como na entrada do inferno de Dante, é preciso impor a exigência "Qui si convien lasciare ogni sospetto/ Ogni vilta convien che sia morta" (Marx), porque a Ciência é mais do que um corpo de conhecimento, é um modo de pensar (Sagan), porque o poeta é o príncipe da altura e asas de gigante impedem-no de andar (Baudelaire), porque o homem é um ser-para-a-morte (Heidegger), porque filosofar é aprender a morrer (Montaigne), este é um blogue para todos e para ninguém.
O brasileiro Fábio Zanon (1966-) é um dos maiores
nomes do violão mundial. Concertista renomado, trata-se também de um
autêntico "intelectual da música", como quem acompanha seu trabalho como
professor e pesquisador já pôde perceber.
No vídeo que separei, Zanon participa do
programa "Movimento Violão", promovido pelo SESC TV. Particularmente, quero recomendá-lo aos
leitores do blogue, desejosos de conhecer um pouco sobre violão erudito (um
instrumento que sofre terrivelmente com a sua extrema popularidade, na medida
em que a maioria das pessoas só consegue associá-lo à música popular, jamais à música erudita). Meu interesse na apresentação de Zanon dá-se sobremodo por força do repertório escolhido. O violonista executa
peças do compositor Henry Purcell (1659-1695), um dos principais expoentes do
Barroco inglês.
Quando estudante de violão, meu interesse no
repertório violonístico esteve máxime atrelado às minhas pesquisas musicais nos
períodos Renascentista e Barroco, até porque a música antiga sempre foi
a minha maior paixão. Por isso eu sempre toquei muitas peças de Henry Purcell - incluindo algumas que são executadas no vídeo.
A propósito, música renascentista e barroca, quanto
tocadas ao violão, constituem o meu maior interesse no estudo do instrumento. Então fica a dica aos leitores do blogue!
Lewis Carroll (1832-1898) foi o pseudônimo
pelo qual o reverendo britânico Charles Lutwidge Dodgson tornou-se mundialmente
famoso, máxime após a publicação de "Alice no País das Maravilhas",
livro infantil que, com a passagem dos séculos, tornar-se-ia um dos maiores
clássicos da Literatura Inglesa.
Além de grande fabuista "nonsense",
Carroll também tinha talento como poeta. É o que prova o poema
"Jaguadarte", que eu extraí do livro "Através do Espelho e O Que
Alice Encontrou Por Lá", que Carroll escreveu em 1871 como continuação de
"Alice no País das Maravilhas".
Na história, Alice, ao encontrar o Homem-Ovo,
pede a ajuda dele para fazê-la entender o sentido dos versos de
"Jaguadarte". Alice confunde-se com as palavras, que misturam sons e
sentidos. Ou seja, a menina Alice quer compreender aqueles signos linguísticos,
galvanizados por uma curiosa fusão de significante
(elemento material, concreto, perceptível) e significado (elemento imaterial, inteligível, conceitual).
Na tradução primorosa de Augusto de Campos
(missão dificílima vertê-lo ao português, como pude notar ao ler o texto
original em inglês), o próprio tradutor prefacia o seu trabalho, comentando que
"o mínimo que se pode dizer (de Jaguadarte) é que é um dos poemas
fundantes da modernidade”. Para compô-lo, Campos anota que Carroll usou
“palavras-valise, que empacotam dois ou três vocábulos num só”.
Como aprecio a Literatura Inglesa clássica,
fica minha homenagem a este grande fabulista chamado Lewis Carroll, um homem
que, com sua imaginação prodigiosa, deu origem a um mundo infantil
absolutamente encantador.
Em 1803, com apenas 33 anos de
idade, o jovem e impetuoso Ludwig van Beethoven começou a escrever a sua “Sinfonia
nº 3, em Mi Bemol Maior” (Op. 55). Essa composição assinalava a assunção de uma
temática grandiloquente, épica, em sua obra. Ademais, é apontada por muitos
musicólogos como o umbral de passagem do Classicismo para o Romantismo na
história universal da música.
Tomado por uma fúria criativa, Beethoven
finaliza a escrita da partitura da “Sinfonia nº 3” em 1804. Politizado,
decidira alcunhá-la de “Sinfonia Bonaparte”. Seu propósito era homenagear o
líder político e militar francês Napoleão Bonaparte (1769-1821), já que o
compositor alemão era admirador fidedigno do ideário da Revolução Francesa.
Para o jovem Beethoven, Napoleão não apenas erguia a bandeira do pensamento francês
revolucionário; ele próprio personificava-a. Assim, no verão de 1804, comunicou
ao seu editor a decisão de dedicar a sinfonia ao líder francês, intitulando-a
de “Bonaparte”.
O líder político e militar francês Napoleão Bonaparte (1769-1821).
Entretanto, naquele mesmo ano, quando seu
assistente contou-lhe que Napoleão havia se autoproclamado “Imperador da França”,
o jovem Beethoven, que sempre teve um temperamento explosivo, mudou bruscamente
de opinião. Sentindo-se traído politicamente, o compositor acusou
Napoleão de trair os ideais revolucionários, rendendo-se ao jugo opressor dos
tiranos que se consideravam superiores, que não acreditavam,
portanto, na igualdade de direitos do homem e do cidadão.
Furibundo, Beethoven vai até sua mesa de
trabalho, convicto em desfazer a homenagem ao traidor. Abre o manuscrito da
sinfonia e risca o nome “Bonaparte” da página-título. Mas risca com tanta raiva
- com tanta força, com tanta fúria! - que, no lugar da dedicatória, deixa um buraco no papel.
Manuscrito da página-título da "Sinfonia Eroica",
onde se pode notar o buraco deixado no papel pela fúria de Beethoven
diante da "traição" de Napoleão Bonaparte.
Tempos depois, já em 1806, quando a
página-título foi reescrita e o manuscrito sinfônico finalmente publicado,
Beethoven deu novo nome à obra. Com efeito, intitulou-a de Sinfonia eroica, composta per festeggiare il sovvenire d'un grand'uomo.
O título era uma alusão clara à decepção política experimentada pelo compositor,
que não mais homenageava Napoleão Bonaparte, mas sim se prostrava a celebrar a “memória
de um grande homem”. Napoleão ainda estava vivo na França, só não para Beethoven,
que o considerava um traidor e antecipara visionariamente a marcha fúnebre do
líder francês no segundo movimento da “Sinfonia nº 3” – agora denominada “Sinfonia
Eroica”.
Esta crônica é dedicada a todos os meus amigos músicos,
especialmente ao violonistas Vinícius Linhares, Cristiano Souza e Hélio Amorim.
Um belíssimo vídeo produzido pela
"Robert Schumann Hochschule" de Düsseldorf sobre os caminhos
percorridos pelo jovem estudante de música. Preso nas entranhas do cotidiano
fastiento que o circunda, ele não se deixa soçobrar. Ergue-se e caminha entusiasmadamente. Extático, sabe que segue rumo ao encontro redentor com sua arte.
Desde muito
cedo o jovem músico aprende que, nesse exército artístico chamado
"orquestra", sua sobrevivência depende da combinação de pelo menos
dois fatores: de um lado, a disciplina espartana imprescindível, idônea a
conduzi-lo ao nível técnico reclamado pelos compositores mais exigentes em suas
obras; de outro, a coragem de um soldado na frontaria, para não se render à
mediocridade generalizada das pessoas vulgares e dedicar-se a uma forma
refinadíssima de arte que hoje é vista como algo sem relevância no mundo. Daí
vem a busca contínua e ininterrupta do jovem músico pela superação dos seus
limites. Daí exsurge a síntese do seu "esforço de guerra" em prol
dessa manifestação sublimatória da arte.
Como propõe a descrição do vídeo no sítio Youtube:
"Studieren heißt, sich auf eine Reise begeben! Eine
Reise auf der man nicht nur besondere Fähigkeiten erlernt, sondern sich auch
menschlich entwickelt und man Freundschaften mit Gleichgesinnten
schließt." (Traduzo do alemão: "Estudar [música] é como embarcar
numa viagem! Uma viagem na qual não se aprende apenas habilidades especiais,
mas que traz também desenvolvimento humano e permite fazer amizade com pessoas
que tenham as mesmas afinidades.").
Essa é uma descrição perfeita do que
eu vivi nos muitos anos em que me dediquei ao estudo da música erudita no
conservatório. Para mim, estudar música, mais do que aprender a teoria musical, mais do que aprender a tocar um instrumento, significou ir ao encontro do guia que me ciceroneou até eu descobrir quem sou; o elo com as coisas que amo no mundo. Cinzelando meu talento musical, fiz amigos que me permitiram entender que a verdadeira amizade não reside no grau de parentesco, na ascendência, na linhagem sanguínea, tampouco na proximidade geográfica. A verdadeira amizade só existe na afinidade. E "afim" são as pessoas que funcionam como os instrumentos musicais numa orquestra: quando tocam suas vidas, imediatamente encontram a harmonia nos seus gostos. Eis a arte de fazer amigos! Eis tudo.
Alemanha - terra da Filosofia e da Música. Só
quem já esteve lá sabe como é grande a paixão dos germânicos pela música
erudita. Um paixão tão intensa que não encontra par em nenhum outro lugar do
planeta. E se tu viveste algum dia essa rotina de reunir-se com amigos para ensaiar
as partituras, tal qual eu vivi, é impossível não se emocionar com o
videoclipe!